Há dois anos a população mundial se adaptava
à chegada de um novo coronavírus. Ao longo desse tempo, a Covid-19 sofreu
transformações e variantes se desenvolveram, como a Gamma, Delta, Ômicron, Mu e
Lambda. Recentemente, cientistas descobriram mais uma variante da doença, a
Deltacron - recombinação genética entre as cepas Delta e Ômicron - o que trouxe
muitas dúvidas para a população. No Brasil, dois casos estão sendo investigados
como possíveis infecções pela variante, um no Pará e outro no Amapá.
Na terça-feira, em entrevista coletiva, o ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, divulgou que os dois casos tinham sido confirmados, porém,
mais tarde, voltou atrás e desmentiu a informação através da sua conta no
Twitter. Na sexta-feira, o Ministério da Saúde afirmou que o possível caso de
Deltacron em Santana, no Amapá é, na realidade, uma coinfecção das variantes
Delta e Ômicron. A outra infecção, desta vez em Afuá, no Pará, continua em
análise.
O Ministro da Saúde
também reforçou que não há motivos para preocupação. “A OMS (Organização
Mundial de Saúde) classificou a Deltacron apenas como variante para
monitoramento (Vum) e não a considerou como variante de interesse ou
preocupação, como foi o caso da Ômicron e da Delta, por exemplo”, acrescentou.
Em
Pernambuco, nenhum caso da variante foi identificado. De acordo com o
secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, o novo vírus não parece ser
algo alarmante.
“As
informações até agora sobre essa variante é que poucos casos foram detectados,
está sendo considerada uma variante rara. Ela é um híbrido entre a Ômicron e a
Delta, por isso que tem esse nome Deltacron. Ela foi encontrada, mas ainda não
é apontada como uma preocupação”, pontuou.
O
gestor da pasta afirma que a preocupação maior gira em torno da movimentação da
BA.2 - sub variante da Ômicron - em países da Europa.
“A
gente tem circulando em Pernambuco a BA.1, não detectamos ainda a B.A2, mas ela
já foi detectada em alguns lugares do Brasil. Até agora ela não gerou maiores
problemas para o sistema de saúde, mas nós estamos acompanhando essa
possibilidade de ela trazer alguma repercussão”, disse Longo.
Surgimento
da variante
Em
janeiro de 2022, os primeiros casos da Deltacron foram detectados na França.
Desde então, poucas confirmações para a variante foram notificadas ao redor do
mundo. Países da Europa como França, Dinamarca, Alemanha, Holanda e Bélgica
afirmaram ter casos positivos, de acordo com o site Gisaid, um banco de dados
internacional de genomas de coronavírus.
Além
dos casos presentes na Europa, a empresa de sequenciamento genético Helix
encontrou confirmações, também, nos Estados Unidos.
Segundo
a diretora técnica da Organização Mundial da Saúde (OMS) e médica infectologista,
Maria Van Kerkhove, a entidade está ciente e realiza o monitoramento da
Deltacron.
“Estamos
cientes disso, é uma combinação das variantes Delta e Ômicron. Isso era algo
esperado dado que há uma intensa circulação dessas variantes”, afirmou durante
coletiva de imprensa da OMS.
Segundo
a infectologista, a recombinação do vírus pode ter sido ocasionada devido à
expressiva circulação da variante Delta em países da Europa quando surgiu a
Ômicron.
Mas,
afinal, o que é a Deltacron?
O
nome Deltacron ainda é utilizado informalmente para se referir à variante. A
nomenclatura não é adotada oficialmente pelas instituições de saúde. Nos
estudos e nas publicações especializadas a designação utilizada para essa nova
linhagem é AY.4/BA.1.
De
acordo com o médico infectologista e mestrando em Saúde Pública pela Fiocruz,
Bruno Ishigami, a variante é uma recombinação da Ômicron e Delta.
“Essa
variante Deltacron, que foi isolada aqui no Brasil e já tinha sido isolada na
Europa, é tipo uma mistura. Alguns vírus fazem isso, trocam partículas de uma
variante para outra, de um vírus para outro, isso evolutivamente já acontece. É
como se fossem partes do vírus da variante Delta com partes da Ômicron. A
variante Deltacron é a recombinação de dois vírus e não a contaminação ao mesmo
tempo pelas duas variantes. É um mesmo vírus.”, destacou o infectologista.
Segundo
o médico infectologista da Infectovita e Interne Soluções em Saúde, Raphael dos
Anjos, a variante é uma progressão da evolução do próprio coronavírus e uma
adaptação ao meio ambiente.
“Esse
vírus tem mutações que vão acontecendo e modificando a estrutura do vírus. Isso
é uma forma de adaptação ao meio ambiente. Até então os casos são de uma doença
mais leve, menos fatal, menos grave, mas que pode se perpetuar mais facilmente.
A nossa preocupação é a perpetuação dessa variante, mas é geralmente uma doença
mais branda”, afirmou o infectologista.
Para
o pesquisador do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika) da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Instituto para Redução de Riscos
e Desastres de Pernambuco da Universidade Rural de Pernambuco (URFPE), Jones
Albuquerque, a Deltacron é mais similar com a Ômicron do que com a Delta quando
se trata da parte protéica (spike) utilizada nas vacinas.
“Espera-se
que se comporte como a Ômicron, tanto em transmissibilidade quanto na
capacidade de evadir (escapar) da imunização provocadas pelas vacinas atuais e
por tratamentos com anticorpos”, destacou. Ele ressalta que a terceira dose da
vacina contra a Covid-19 é fundamental para a efetivação da imunização da
população e no enfrentamento às novas variantes.
Agravamento
da pandemia?
Apesar
de ser a recombinação de duas variantes, a Deltacron não preocupa os
especialistas e as autoridades em meio às pesquisas iniciais. A
transmissibilidade da doença é que vai determinar se o vírus é, de fato,
perigoso ou não. Para o infectologista Bruno Ishigami, o surgimento da variante
não representa um agravamento na pandemia.
“A
variante não necessariamente representa um risco maior. Temos que observar se
ela vai ser mais transmissível que a Ômicron, porque o fato dela ser mais ou
menos transmissível é que vai determinar se vai se espalhar de novo pelo mundo
todo. Se ela for menos transmissível, a Ômicron vai ser prevalente e vamos ter
alguns casos pontuais da variante Deltacron”, afirmou.
Por
outro lado, o pesquisador Jones Albuquerque afirma que, preliminarmente, os
riscos são comparados aos da variante Ômicron e podem ser altos. “Ainda é muito
cedo para afirmar. Mas cabe alertar que os riscos são altos quando comparamos
os efeitos a longo prazo mesmo em pessoas com “casos leves”. A Ômicron causou
um efeito grande nas crianças, levando cinco vezes mais a faixa etária para os
hospitais do que a Delta”, afirmou.
Sintomas
e cuidados
Segundo
os especialistas, com relação aos sintomas, as mudanças ainda não foram
identificadas. Continuam os mesmos: nariz escorrendo, tosse, dor no corpo, dor
de cabeça, febre e perda de paladar ou olfato, entre outros.
Para
o pesquisador e os infectologistas, é primordial que a população continue com
os mesmos cuidados vistos durante a pandemia, como higienização das mãos,
utilização de máscara, o afastamento (caso tenha sintomas gripais), evitar
aglomerações e ter o autocuidado, como uma alimentação saudável, a prática de
esportes e tomar todas as vacinas necessárias.
Para
ter uma proteção maior, é necessário também que a população esteja com a
vacinação contra a Covid-19 em dia até a 3ª dose, que está disponível para
grande parte da população.
“O
primordial é aumentar ao máximo a cobertura vacinal e fazer o resgate das que
não tomaram a dose de reforço, para serem orientadas a tomar ou fazer medidas
que cheguem aos usuários, como visita nas comunidades”, destacou Raphael dos
Anjos.
Sobre
a 4ª dose da vacina contra a Covid-19, que já está sendo aplicada nos
imunossuprimidos brasileiros e, em determinados estados, também em idosos, o
infectologista Raphael dos Anjos defende que, posteriormente, a vacina estará
disponível para toda a população e será um reforço para as variantes que estão
surgindo.
“A
4ª dose a gente enxerga, e os estudos mostram, que vai ser praticamente para
toda a população. Vai percorrer aquele mesmo caminho de todas as outras doses,
atentar primeiro para as pessoas de risco, que podem desenvolver doenças graves
e vai se espaçando e orientando a tomada para o restante da população”,
pontuou.
Ainda
em fase inicial, as pesquisas a respeito da variante Deltacron estão revelando,
aos poucos, se o novo vírus precisa de uma atenção maior das autoridades de
saúde. Com casos ainda em observação no Brasil, resta esperar para saber se a
variante já está em território brasileiro, continuar os cuidados rotineiros e
completar o esquema vacinal, evitando, assim, casos mais graves da Covid-19.
(Por Tarsila Castro – Folha de Pernambuco)
